YAMA YUKI & CAUÊ UEDA
Ubíquo
por Yama Yuki e Cauê Ueda
Vivemos um momento distinto na história e em nossas experiências individuais, onde relações se alteraram de forma estranha e repentina. Essa circunstância singular traz a possibilidade de um respiro - um tanto exasperado - nesse estado de suspensão, onde nos faltam palavras e sobram dúvidas. O espaço que se abre permite que nos observemos e possamos nos deslocar para diferentes pontos de vista e de escuta. Com isso, a partir de questionamentos que nos são comuns, propusemos um exercício de captura e processamento de estímulos sensoriais que pertencem ao nosso cotidiano.
O que parecia ser invisível e inaudível tomou materialidade e proporcionou percepções diferentes acerca do que vivíamos até pouco mais de um ano. Trata-se de uma força maior que mescla espaços distintos, dentro e fora, e os combina de forma autônoma. A ocupação desses dois espaços diferentes pode se dar pelo som, que consegue estar presente fisicamente na vida de várias pessoas simultaneamente. Essa mesma presença também pode se dar visualmente, através de cenas que normalmente passariam despercebidas, compartilhadas por hábitos comuns.
No que tange ao lixo, notamos que os resíduos que antes eram descartados pelos lugares onde passávamos, agora concentram sua totalidade em nossas casas, às nossas vistas. Por meio de uma sessão colaborativa, Ueda apresenta o registro audiovisual de um ciclo de descarte, desde a produção de resíduos até sua coleta por diferentes agentes, e Yama, a partir dessas imagens e sons apresentados, manipula e toca ao vivo diversos tipos de materiais destinados à reciclagem, tais como embalagens de frutas e verduras, latas, garrafas etc. acumulados ao longo de dias, buscando sonoridades específicas antes do fim de seu ciclo de existência. Ambas as performances, coordenadas simultaneamente e retroalimentadas pela sobreposição de efeitos e as impressões de cada um, oferecem ao espectador uma interpretação sobre a contínua exclusão do que entendemos como lixo e como podemos trazer um novo significado, diferente da indesejada existência que negamos.
Outro entendimento que tivemos foi sobre os ruídos presentes no dia-a-dia. A intensa sonoridade característica das muitas construções que ocorrem em uma cidade grande tornou-se constante e perene, dominando nossa percepção acústica. Por vezes o barulho de máquinas e de ferramentas manuais incorpora-se à paisagem sonora, irritando, de maneira discreta e incremental, nossos nervos. Acontece uma disputa pela atenção, entre as janelas telemáticas dos computadores e telefones para quem teve o privilégio do isolamento, e as janelas reais, que emanam a presença da vida externa fora do nosso universo doméstico. A partir desses elementos, oferecemos a contemplação desses sons, que se fazem tão presentes de forma sônica, mas carentes de sua equivalência visual, bem como um desafio à fixação da atenção, sob uma abordagem mais serena e como uma forma de fuga pela janela que encontra um outro mundo do lado de fora.
O processo investigativo que resultou nessa apresentação nos trouxe a um estudo sobre representatividades espaciais e materiais. O lixo que sai de casa para a rua, assim como os ruídos da construção que são transportados da rua para casa, tratam da permuta das localidades e como essas presenças ganham materialidade de diferentes maneiras. Justamente por isso, utilizamos tais elementos em nossa obra, de forma a perceber o significado dos resíduos e ruídos e para entender que é inevitável reconhecer nosso lugar no mundo através dessas relações. Tratando de diferentes tipos de poluição, procuramos questionar o desejo por uma vida pretensamente harmônica e o quão essa forma de higienismo pode ignorar a presença de outras tantas pessoas que ganham suas vidas por meio desses processos.
Yama Yuki é um artista sonoro baseado em São Paulo. A partir de instrumentos e não-instrumentos, trabalha com improvisação e cria diversos sistemas sonoros.
Cauê Ueda realiza performances audiovisuais, explorando as sonoridades das imagens, de forma a tensionar as questões temporais e aurais.
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"Ubíquo"
Performance audiovisual, 43min, 2021.
Produzido e finalizado por Yama Yuki e Cauê Ueda em São Paulo, Brasil, durante os meses de maio, junho, julho, agosto e setembro de 2021.
Agradecimentos a Antonio Resende Gomes, Chiara Comastri, Chico Dub, Eduardo Santos Mendes, Gabriela Tamari, Karen Cunha, Patrícia Moran, Paulo Hartmann e Regimar Dantas de Araújo.
https://soundcloud.com/yamayuki
https://vimeo.com/urso
© 2021 Yama Yuki, Cauê Ueda.